De olhos vendados, segurando na mão direita uma espada e na esquerda uma balança, uma mulher esculpida em mármore adorna a entrada de muitos tribunais mundo afora. Trata-se de Têmis, personificação da deusa da justiça, da lei e da ordem, protetora dos oprimidos na mitologia grega. É o feminino associado ao ato de fazer justiça, desde tempos remotos, embora a aplicação da lei tenha sido, historicamente, tarefa majoritariamente masculina.
Hoje os tempos são outros, e é inegável que as muitas conquistas das mulheres, em todos os campos, alcançaram também o Poder Judiciário. “Trata-se de um universo ainda predominantemente masculino, mas temos assistido, nas últimas décadas, à chegada de um número cada vez maior de mulheres à magistratura, onde têm deixado importantes contribuições: são conciliadoras, adeptas do diálogo e sensíveis às causas sociais”, ressalta o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Nelson Missias de Morais.
A história da mulher na magistratura brasileira ainda é recente. Quando Ellen Gracie tornou-se presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2006, foi a primeira vez, nos 177 anos da mais alta corte do País, que o órgão foi comandado por uma mulher. Em Minas, o percurso feminino na magistratura começou há menos de seis décadas, quando, em 1960, Raphaela Alves Costa se tornou a primeira a ocupar o cargo de juíza de direito no estado.
Nos anos seguintes, vieram outras -- Branca Margarida Pereira Rennó, que se tornou a primeira desembargadora em Minas, Myriam da Conceição Saboya Coelho e Ana Maria dos Santos Lima. Plantada a semente pelas precursoras, a presença da mulher na magistratura tornou-se realidade. Hoje, entre os 967 juízes em Minas, 340 são do sexo feminino. No TJMG, entre os 138 desembargadores, figuram 24 mulheres.
Apenas nesta gestão, tomaram posse, até este mês de março, 14 novos desembargadores, sendo cinco mulheres. Duas delas foram empossadas no último mês de fevereiro -- as então procuradora de justiça Maria Inês Rodrigues de Souza e a promotora de justiça Paula Cunha e Silva. Além disso, ainda nesta semana, três mulheres assumiram como juízas convocadas: Âmalyn Sant’anna, Luzia Divina e Maria das Graças Rocha Santos.
Por ocasião da posse das novas desembargadoras, o presidente Nelson Missias destacou que a incorporação das novas magistradas certamente enriqueceria a Casa, não apenas pelo mérito pessoal de cada uma, mas também “pelo enorme reforço de serenidade e sabedoria que a presença feminina” traria à Corte mineira.
Atualmente a magistrada com mais tempo de Casa, a desembargadora Márcia Maria Milanez tem o mérito também de ter sido a primeira a ocupar um cargo de direção no Tribunal mineiro e presidir o Órgão Especial. Em sua gestão como 3ª vice-presidente, a desembargadora deixou uma forte marca, passando a ser chamada de “Dama da Conciliação”.
Filha do primeiro promotor de justiça de Coronel Fabriciano, comarca localizada na região mineira do Rio Doce, a desembargadora Márcia Milanez, para quem o pai foi um grande exemplo, iniciou sua trajetória profissional seguindo os passos do patriarca, tornando-se também promotora de justiça, ofício que ocupou por 17 anos. O papel de desembargadora ela assumiu em 2001, pelo Quinto Constitucional.
Observando que a presença da mulher na magistratura já não é novidade, a desembargadora avalia que falta, agora, elas assumirem mais a liderança nos tribunais. “Estou sempre batalhando por isso”, afirma Márcia Milanez, que é a atual coordenadora do programa Novos Rumos. A iniciativa é o braço do Tribunal mineiro responsável por ações que visam à humanização do cumprimento das penas privativas de liberdade.
Direção
O desejo da desembargadora de maior participação feminina no comando da Justiça começa a se realizar, aos poucos. Pela primeira vez, em quase um século e meio de história, a direção do Tribunal mineiro, na gestão 2018-2020, tem o mérito de ter duas magistradas entre seus membros: a desembargadora Mariangela Meyer Pires Faleiro, como 3ª vice-presidente, e a desembargadora Áurea Maria Brasil Santos Perez, atual 2ª vice-presidente e superintendente da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef).
Áurea Brasil traz em sua trajetória o feito de ter sido a única mulher, até o momento, a dirigir o Foro de Belo Horizonte. Ela começou sua história no Judiciário mineiro na condição de pesquisadora judiciária, em 1990, tornando-se depois assessora. Em 1993, conquistou o segundo lugar no concurso de ingresso na magistratura mineira, tendo atuado como juíza em diversas comarcas, até se tornar desembargadora, em 2011.
Na 2ª Vice-Presidência, Áurea Brasil, mestre em Direito Civil, assumiu o desafio de traçar as linhas mestras do desenvolvimento de magistrados, servidores, estagiários, voluntários e colaboradores da Justiça mineira, que, juntos, são reconhecidos pela atual gestão como o maior capital da Casa. Sob o comando dela está também a gestão de toda a massa de documentos institucionais.
Reforçando a visão do papel conciliador das mulheres, a 3ª vice-presidente Mariangela Meyer gerencia e executa os projetos de conciliação na Primeira e na Segunda Instâncias. Em pouco mais de seis meses na função, ela intermediou a realização de dois acordos históricos: o que encerrou um conflito relacionado à Izidora, considerada a maior ocupação urbana da América Latina, e o entendimento entre o Estado de Minas Gerais e a Associação Mineira de Municípios (AMM), visando à regularização de repasses.
Entusiasta das formas autocompositivas de resolução de conflitos, Mariangela Meyer foi a primeira ouvidora do TJMG, tendo atuado também como vice-corregedora-geral de justiça. A magistrada, a exemplo da 2ª vice-presidente, também iniciou sua trajetória no Judiciário mineiro como servidora -- foi escrevente judicial e escrivã. A carreira da magistratura ela abraçou em 1993, sendo promovida a desembargadora em 2011.
“O que me motivou a optar pela magistratura foi o grande entusiasmo e a vontade de encarar, de frente, o desafio constante e diário no que diz respeito à garantia de independência de atuação, sempre procurando fazer o bem ao ser humano cujo interesse está em discussão e que espera do magistrado muito equilíbrio, bom senso, ponderação, equidade e sabedoria. Sou plenamente realizada na minha carreira e tudo tenho feito para, no exercício da judicatura, proporcionar a pacificação de conflitos de forma inovadora, observando sempre os fins sociais da lei e as exigências do bem comum na fundamentação de minhas decisões”, ressalta a 3ª vice-presidente.
Superintendências
Duas desembargadoras ocupam no momento superintendências do TJMG: Valéria da Silva Rodrigues Queiroz e Alice de Souza Birchal. Elas estão à frente de ações, iniciativas e programas de enfrentamento à violência contra a mulher e de proteção à infância e à juventude. Dois universos que exigem uma abordagem sensível, e que têm se beneficiado sobremaneira do empenho das magistradas.
Valéria Queiroz assumiu a superintendência da Coordenadoria da Infância de da Juventude (Coinj) do TJMG em 2018, depois de acumular vasta experiência com o tema. Sua atuação no campo do que ela nomeia como justiça juvenil, ao longo de mais de duas décadas, tem contribuído para lançar luz no alcance da ação jurisdicional sobre as crianças e os adolescentes. “O magistrado não precisa ser provocado para empreender por uma sociedade melhor e mais justa”, declarou, quando tomou posse como desembargadora, em agosto de 2018.
A desembargadora Valéria Queiroz ingressou na magistratura mineira em abril de 1992 e atuou em seis comarcas do interior de Minas -- Conselheiro Lafaiete, Piranga, Passa-Quatro, Miraí, Araxá e Muriaé. Em todas elas, foi juíza eleitoral. E, numa demonstração de seu espírito líder, foi diretora do foro de quatro delas. Ao ser promovida para a capital, em 2002, assumiu, três anos depois, a Vara Infracional da Infância e da Juventude, onde notabilizou-se no tratamento da questão, tornando-se referência nacional no tema.
Com um rico percurso no magistério como professora universitária em diferentes campos do Direito, Alice Birchal, mestre e doutora na área, tornou-se desembargadora no TJMG em 2016, em vaga destinada ao Quinto Constitucional. Nesta gestão, ela se tornou superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), assumindo essa seara em meio a números assustadores de violência contra meninas, jovens, adultas e idosas.
Em sua atuação na coordenadoria, a desembargadora Alice Birchal tem estimulado a criação de campanhas que incentivam a mulher a denunciar seus agressores e tem mobilizado esforços em ações corretivas e preventivas voltadas para a população. Entre as iniciativas, estão parcerias com outros órgãos, tanto do poder público como da sociedade civil. “Trabalhamos para a implantação de ações efetivas para o fim da violência”, declara a magistrada.
Posições de liderança
A força feminina também se faz presente na atuação direta junto à Presidência, por meio da juíza auxiliar Rosimere das Graças do Couto, responsável pela supervisão da Diretoria Executiva da Gestão de Bens, Serviços e Patrimônio (Dirsep). Com pulso firme e inovação, a magistrada tem apostado na fiscalização minuciosa dos contratos e dos processos licitatórios para gerar mais economia para a instituição. Rosimere do Couto se tornou juíza em 1997.
“Apesar de ainda ser minoria, nos tempos atuais a mulher tem galgado cargos expressivos no Poder Judiciário, deixando fluir sua intuição nata, usando sua sensibilidade, demonstrando seus genuínos sentimentos e guardando estilo próprio. Isso demonstra o quanto é importante o papel da mulher nessa esfera de poder. Foi com o sentimento de bem servir à sociedade que ingressei na magistratura mineira, a qual tenho orgulho de integrar, e hoje, atuando administrativamente na Presidência do TJMG, sinto que posso contribuir positivamente para o desenvolvimento de melhorias da prestação jurisdicional”, avalia Rosimere do Couto.
Na Corregedoria-Geral de Justiça, como auxiliares, figuram as juízas Lívia Lúcia Oliveira Borba, que exerce a Superintendência Adjunta de Planejamento da Secretaria da CGJ, e a juíza Aldina de Carvalho Soares, que, ao lado de dois magistrados, responde pela Superintendência Adjunta dos Serviços Notariais e de Registro. É também uma mulher, a juíza Flávia Birchal de Moura, que coordena os Juizados Especiais da Comarca de Belo Horizonte.
Se elas ainda são minoria entre juízes e desembargadores, o mesmo não acontece no universo dos servidores do Judiciário mineiro. Ali, elas já são cerca de 60% do total de trabalhadores, somando um contingente de mais de 9 mil mulheres que atuam nas mais diversas funções e ocupam cerca de 60% dos cargos de chefia e mais de 65% dos cargos de assessoramento do TJMG.
Uma delas é Neusa das Mercês Rezende, responsável pela Diretoria Executiva de Administração de Recursos Humanos (Dearhu). Ela enxerga nesses números um sinal de que cada vez mais as mulheres poderão ocupar posições de liderança na Casa. Servidora do TJMG há mais de 25 anos, Neusa construiu no Judiciário mineiro um caminho de crescimento profissional, sempre atuando na área dos recursos humanos -- desde 2004, ela é a diretora executiva da Dearhu.
“Gosto demais do que faço e da instituição onde atuo. Acabei criando uma relação afetiva com o Tribunal de Justiça e sou muito grata ao Judiciário mineiro, pois tudo o que conquistei na vida devo à Casa”, declara Neusa. A servidora reconhece nas mulheres uma capacidade de trabalho especial, em comparação com os homens. “Acho que a nossa dedicação é maior. Colocamos mais emoção no que fazemos, mais sentimento em nossas ações”, avalia.
Ao lado de Neusa, há outras seis mulheres em cargos de direção no TJMG neste momento: Ana Paula Andrade Prosdocimi da Silva, na Diretoria de Desenvolvimento de Pessoas (Dirdep); Cátia Lalucia de Rezende, na Secretaria de Padronização e Acompanhamento da Gestão Judiciária (Sepad); Adriana Lage de Faria Navarro, na Diretoria Executiva de Gestão de Bens, Serviços e Patrimônio (Dirsep); Alessandra da Silva Campos, na Diretoria Executiva de Suporte à Prestação Jurisdicional (Dirsup); Maria Cristina Monteiro Ribeiro Cheib, na Auditoria Interna (Audit); e Bruna Eduarda Medeiros de Sousa, na Secretaria de Suporte ao Planejamento e à Gestão da Primeira Instância (Seplan).
Protagonismo
A presença crescente das mulheres em cargos de liderança no Judiciário mineiro sinaliza para uma diminuição no histórico descompasso entre homens e mulheres nesse campo. Com olhares, histórias, percursos e desafios próprios da condição feminina, juízas, magistradas, servidoras, estagiárias e adolescentes trabalhadoras contribuem para quebras de paradigmas no universo da Justiça, podendo cada vez mais assumir papéis protagonistas.
Em poucas palavras, a 2ª vice-presidente do TJMG expressa o significado desse movimento a que assistimos: “O mundo está necessitando de cuidado e acolhimento, aptidões que tocam fundamentalmente o feminino. Precisamos, muito, nos conectar com nossa essência, para que possamos oferecer algo realmente melhor, trabalhando no desenvolvimento de nossas potências, como intuição, e nossa inteligência emocional, sistêmica e espiritual, para oferecer ambientes mais agregadores e humanos”.
Assessoria de Comunicação Institucional -- Ascom
Tribunal de Justiça de Minas Gerais -- TJMG