Jornalista Kíria Ribeiro é vítima de racismo durante jogo no Mineirão e relata indignação
Na última semana, um episódio de racismo abalou a rotina de diversão de uma torcedora no Mineirão, transformando uma noite que deveria ser de alegria em um exemplo doloroso de discriminação. A vítima, Kíria Ribeiro, jornalista formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e torcedora fervorosa do Cruzeiro, sofreu injúria racial durante a partida entre Cruzeiro e Bahia, no dia 18 de outubro em Belo Horizonte. O relato de Kíria levanta questões sobre a persistência do racismo no futebol brasileiro e a falta de ações mais concretas para combater essa forma de violência.
A Noite que Deveria ser de Alegria
Em entrevista concedida à rádio Itatiaia Ouro Preto, Kíria contou como o incidente aconteceu. Na companhia de sua prima, a jornalista estava no Mineirão para assistir ao jogo, como costuma fazer desde que se mudou para a capital mineira. Para ela, ir ao estádio é um momento de alegria e conexão com o esporte que tanto ama. "Independente do resultado, é sempre um momento de satisfação para mim. Gosto do futebol, da atmosfera do estádio, e é um ambiente que deveria ser plural", relatou.
Porém, na partida em questão, um erro em campo por parte de um jogador do Cruzeiro desencadeou uma reação violenta de um torcedor sentado próximo a Kíria. Ao ver o rapaz arrancar um pedaço da cadeira do estádio em um momento de fúria, a jornalista interviu de forma tranquila, pedindo para ele respeitar o patrimônio público. Foi nesse momento que o incidente se agravou.
O Ato de Racismo
A irmã do torcedor, que estava ao lado, se intrometeu na conversa, questionando Kíria de maneira agressiva. O que parecia ser uma simples troca de palavras logo se transformou em uma manifestação explícita de racismo. “Ela olhou para mim e perguntou se eu sabia onde estava, dizendo que aquele setor era mais caro”, contou Kíria, ainda incrédula. Ao questionar o porquê dessa insinuação, recebeu uma resposta devastadora: "Por causa da sua cor de pele", disse a mulher.
Esse momento deixou Kíria sem chão. Apesar de já ter enfrentado episódios de racismo ao longo da vida, ela nunca havia sido confrontada de maneira tão direta e cruel. "Eu esperava ouvir tudo, menos isso. Aquela mulher confirmou uma suspeita que eu tinha na minha cabeça e me fez sentir completamente invisível e impotente", desabafou a jornalista. A situação a deixou tão abalada que, imediatamente, pediu para ir embora do estádio.
Falta de Amparo e Ações Antirracistas
Kíria, que também é uma jornalista comprometida com causas sociais, refletiu sobre a falta de apoio a vítimas de racismo no futebol brasileiro. Ela citou exemplos internacionais, como o caso de Vinícius Júnior na Espanha, onde a Federação Espanhola foi duramente criticada por sua omissão em situações de racismo. No Brasil, segundo Kíria, a situação não é diferente. A jornalista apontou a ausência de campanhas consistentes por parte dos clubes e da Federação Mineira de Futebol para combater o racismo no esporte.
Ela sugeriu que o Mineirão e os clubes adotem campanhas de conscientização mais frequentes e abrangentes. “O próximo mês, novembro, é alusivo à Consciência Negra. É uma oportunidade de disseminar ações que eduquem e sensibilizem os torcedores de forma permanente. Precisamos que essas campanhas aconteçam de maneira mais efetiva dentro e fora dos estádios”, propôs.
Ausência de Contato do Cruzeiro e do Mineirão
Questionada sobre a reação do Cruzeiro e da Minas Arena, que administra o Mineirão, Kíria afirmou que, até o momento, não recebeu nenhum tipo de contato direto por parte das entidades envolvidas. Ela soube, por meio da imprensa, que o Mineirão havia emitido uma nota pública sobre o incidente, mas lamentou o silêncio do clube que tanto apoia.
Apesar da decepção, Kíria está considerando tomar medidas legais contra a agressora, mas pondera as dificuldades emocionais de seguir adiante com o processo. "Eu acredito que seja importante identificar essa pessoa e entrar com uma denúncia, até para evitar que ela faça mais vítimas no futuro. Se não for dessa forma, as pessoas não aprendem", disse Kíria, ressaltando que essa é a maneira que encontrou para manifestar seu repúdio ao ato racista que sofreu.
Impacto e Reflexões
O caso de Kíria Ribeiro é mais um entre tantos episódios de racismo no futebol, que continuam a mostrar a face mais sombria desse esporte apaixonante. Mesmo com campanhas pontuais e manifestações de solidariedade a jogadores e torcedores negros, ainda é evidente a necessidade de um combate mais contundente ao racismo nas arquibancadas e nos bastidores do futebol.
Kíria encerrou a entrevista reforçando sua esperança de que esse triste episódio sirva de alerta para que mais pessoas se levantem contra o racismo no Brasil. “É preciso falar sobre isso, levar esses casos para o debate público e agir de maneira mais firme, para que nenhum outro torcedor tenha que passar por algo assim”, concluiu.
O episódio gerou grande repercussão nas redes sociais, com diversas manifestações de apoio à jornalista. Agora, resta acompanhar se as entidades esportivas tomarão medidas mais enérgicas para garantir que episódios como este não se repitam.
Sobre a Vítima
Kíria Ribeiro é jornalista, formada pela Universidade Federal de Ouro Preto, e tem uma longa relação com a cidade de Mariana, onde iniciou sua trajetória acadêmica e profissional. Apaixonada por futebol, especialmente pelo Cruzeiro, ela é um exemplo de força e resiliência, enfrentando o racismo de maneira corajosa e buscando justiça para combater essa chaga social.
Nota do Minas Arena ao Território Notícias
O Mineirão lamenta e repudia qualquer ato de injúria racial que por ventura ocorra dentro do estádio. Quando um fato é de seu conhecimento, o Mineirão busca trabalhar no atendimento, acolhimento, encaminhamento e acompanhamento de vítimas. O estádio tem 365 câmeras de vigilância e está sempre à disposição das autoridades policiais para auxiliar nas investigações.
Com o apoio dos clubes e de órgãos públicos, o Mineirão faz constantemente campanhas educativas com o torcedor, tanto em dias de jogos quanto em suas redes sociais. O estádio tem um canal de denúncias por Whatsapp, com QR Codes espalhados por pelo estádio, para casos de injúria racial, importunação sexual ou qualquer tipo de discriminação. A intenção é agilizar o atendimento e colaborar com apuração dos fatos junto aos órgãos de segurança. É importante que as denúncias aconteçam para que os responsáveis sejam punidos.
Fonte: Entrevista concedida à rádio Itatiaia Ouro Preto(23-10)