Coreia do Norte: o sistema brutal de repressão em prisões do país

Imagem computadorizada do grupo Korea Future mostrando como vários detentos ficam supostamente confinados em cela em uma das prisões da Coreia do Norte

01/04/2022 às 19h39

Depois de rastejar para sua cela, a norte-coreana Lee Young-joo recebeu ordens para se sentar de pernas cruzadas com as mãos nos joelhos. Ela não tinha permissão para se mover por até 12 horas por dia.

O menor barulho ou sussurro para seus companheiros de cela poderia acarretar em uma punição severa. Ela tinha acesso limitado a água e recebia apenas algumas cascas de milho moídas para comer.

"Eu me senti como um animal, não como humana", disse ela.

Young-joo disse à BBC que passou horas sendo interrogada por fazer algo que muitos de nós podemos fazer sem problemas: deixar seu país. Ela tentou fugir da Coreia do Norte em 2007, mas foi presa na China e enviada de volta.

Ela passou três meses no centro de detenção Onsong na Coreia do Norte, perto da fronteira chinesa, aguardando receber uma sentença.

 

Enquanto sentava em sua cela, ela ouvia o "clack clack clack" das pontas de metal das botas do guarda caminhando do lado de fora. O som ia para frente e para trás. Quando o som diminuiu, Young-joo arriscou-se e sussurrou algo para um de seus companheiros de cela.

"Estávamos falando sobre planos para outra deserção, planos de se encontrar com negociadores, eram conversas secretas", disse ela.

A prisão tem como objetivo impedir as pessoas de fugir da Coreia do Norte, mas claramente isso não funcionou com Young-joo ou seus companheiros de cela.

Lee Young-joo passou três meses em uma prisão em Onsong, perto da fronteira da Coreia do Norte com a China, onde, segundo seu relato, houve violação de direitos  direitos humanos

Mas os planos de Young-joo foram ouvidos.

"O guarda me pediu para ir até as grades da cela e colocar as mãos para cima, aí ele começou a bater nas minhas mãos até elas incharem e ficarem azuis. Eu não queria chorar, por orgulho. Esses guardas consideram que aqueles que, como nós, tentamos deixar a Coreia do Norte são traidores", diz ela.

"Você podia ouvir outras pessoas sendo espancadas porque as celas dividem o mesmo corredor. Eu estava na cela 3, mas podia ouvir as surras da cela 10", acrescentou.

Sistema de repressão

Young-joo é uma das mais de 200 pessoas que contribuíram para a investigação detalhada da Korea Future sobre violações do direito internacional no sistema penitenciário norte-coreano.

Esta organização sem fins lucrativos identificou 597 pessoas responsáveis ​​por 5.181 violações de direitos humanos cometidas contra 785 detentos em 148 prisões.

As evidências foram coletadas e colocadas em um banco de dados na esperança de que um dia os responsáveis ​​possam ser levados à Justiça.

A Coreia do Norte sempre negou acusações de abusos dos direitos humanos. A BBC tentou entrar em contato com um representante norte-coreano para responder a esta investigação, mas não recebeu resposta. O grupo também criou um modelo 3D do centro de detenção Onsong.

A Korea Future criou imagens 3D sobre as más condições de vida nessas prisões

 

"Em todas as entrevistas que fizemos, vimos como isso impactou a vida de cada um. Uma entrevistada chorou quando disse que havia testemunhado o assassinato de um bebê recém-nascido."

 

Várias acusações de abuso

A Coreia do Norte está hoje mais isolada do mundo do que nunca.

O país é governado pela família Kim há três gerações, e seus cidadãos são obrigados a mostrar total devoção à família e ao seu atual líder, Kim Jong-un.

E a pandemia de covid levou a controles ainda mais rígidos tanto dentro do país quanto na fronteira.

Penas de prisão mais duras foram impostas àqueles que tentavam se relacionar com o mundo exterior, inclusive contra quem assiste a filmes ou séries estrangeiras.

Há vários relatos de estupro e outras formas de agressão sexual. Algumas sobreviventes também disseram ao Korea Future que foram forçadas a fazer abortos.

Em um caso no Centro de Detenção Provincial de North Hamgyong, uma entrevistada testemunhou uma colega detida sendo forçada a fazer um aborto quando estava grávida de oito meses. Ela afirma que o bebê sobreviveu, mas depois foi afogado em um balde.

Vários dos depoimentos na investigação vieram de ex-detentos do Centro de Detenção Onsong

Houve cinco casos em que testemunhas descreveram execuções.

Um passo em direção à justiça

Young-joo acabou sendo condenado a três anos e meio de prisão.

"Eu estava preocupada se ainda estaria viva quando terminasse minha sentença", disse ela. "Quando você vai a esses lugares, você tem que deixar de ser humano para resistir e sobreviver."

Saerom é outra mulher que esteve no centro de detenção Onsong em 2007 e lembrou dos espancamentos nas prisões da Segurança do Estado.

"Eles batem na sua coxa com uma vara de madeira. Você entra caminhando, mas você sai rastejando. Se eu tentasse olhar para outro lado durante uma agressão, eles não deixavam e me obrigavam a ver. Eles matam seu espírito."

"Se houver um jeito, eu quero que eles sejam punidos", disse Saerom enquanto contava o pesadelo que foi seu tempo na prisão. Ela disse que agora aproveita cada momento de felicidade em sua nova vida na Coreia do Sul.

Prosseguir criminalmente com estes casos será difícil, apesar de a investigação ter contado com a contribuição de peritos do Tribunal Penal Internacional.

Saerom e Young-joo disseram que esperam que a investigação ajude o mundo a dar um passo em direção à justiça.

Fonte: CNN


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