Washington Luiz Gonçalves, 46, tem uma vida ligada à música. Desde os 10 anos, ele faz parte de tradicionais bandas de música, grupos formados por homens e mulheres das mais variadas idades que habitam diversas regiões de Minas Gerais, fazem desfiles em festas folclóricas, eventos de rua e feriados religiosos e acabam se tornando parte da vida, da cultura e da memória de cidades e distritos mineiros.
Atual maestro da Sociedade Musical 16 de Julho, grupo de 32 componentes e uma das 11 bandas existentes em Mariana, Gonçalves viu sua ansiedade terminar no fim de maio. Há pouco menos de um mês, os cursos do Núcleo de Apoio a Bandas, projeto técnico e pedagógico da Orquestra de Ouro Preto, foram retomados no formato online.
Desde 2017, o trompetista, licenciado em flauta doce pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), é um dos 800 músicos – entre regentes, professores e instrumentistas – capacitados pela iniciativa. Com a volta das aulas, Washington Luiz Gonçalves é pura alegria. “O projeto é fundamental para incentivar quem está à frente das bandas, além de trazer conhecimento aos músicos, resgatar e preservar a história dos grupos, que são verdadeiros patrimônios de Minas”, destaca o músico, que também cita o papel educador das bandas: “Já vi músicos que chegaram crianças e hoje, adultos, continuam tocando. Vemos toda uma trajetória de formação do cidadão”.
Maestro da Orquestra Ouro Preto, Rodrigo Toffolo cresceu na cidade histórica mineira vendo as bandas passarem. Há quatro anos, ele decidiu criar o núcleo para valorizar essa tradição que tanto lhe traz recordações de um tempo em que, junto de seu pai, acompanhava desfiles e cortejos nas ladeiras ouro-pretanas.
“É uma tradição mais que secular, há bandas com mais de 160 anos de atividades ininterruptas. Esse projeto representa um encontro natural da orquestra com os músicos que habitam as cidades atendidas”, pondera o maestro e coordenador do Núcleo de Apoio a Bandas.
Atualmente, as ações beneficiam 21 bandas em 17 cidades de cinco Estados brasileiros: Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Rio Grande do Norte e Goiás, que agora passa a figurar no mapa de atuação da Orquestra Ouro Preto. Semanais, virtuais e gratuitos, os cursos, ministrados pelos músicos da companhia, que completa 21 anos em 2021, são divididos em módulos ao longo do ano, com enfoque na aplicação da metodologia de ensino musical coletivo, orientações básicas de regência para bandas, práticas de ensaio, noções básicas de arranjos musicais e escolha de repertório.
“Nós levantamos as necessidades das bandas, o que elas querem que seja trabalhado. Isso é muito importante, a demanda vem deles”, pontua Rodrigo Toffolo.
Boa-nova
Além de agora poder dialogar com músicos e regentes da cidade goiana de Crixás, outra novidade é a abertura do curso de lutheria. Segundo o músico João Paulo Moreira, que também é coordenador do Núcleo de Apoio, a oferta do módulo veio ao encontro das necessidades dos músicos.
“Vamos ensinar como realizar pequenos consertos e reparos e fazer manutenção de instrumentos. Era uma demanda deles. Às vezes, eles tinham instrumentos que estavam parados e não podiam ser utilizados, mas precisavam apenas de um pequeno reparo. Serão dez aulas, todas online”, explica Moreira. “Eles vão aprender a trocar uma cortiça, fazer uma solda. É um trabalho muito bacana, muito rico”, acrescenta Toffolo.
João Paulo Moreira é paulista, mora em São Paulo, mas diz ser um apaixonado pela cultura de Minas – e isso inclui, claro, a gastronomia, “aquele cheiro de pão de queijo no café da manhã”. Segundo o músico, o grande sucesso do Núcleo de Apoio a Bandas reside no amor da população pelas bandas e na consciência dos músicos com relação à importância desses tradicionais grupos para as comunidades.
“Quando o Rodrigo chegou com a ideia, eles abraçaram de uma forma incrível. Fico feliz também porque percebemos um crescimento técnico muito grande. Trouxemos metodologias e uma nova visão de ensino visando perpetuar a tradição das bandas de música como patrimônios culturais”, avalia Moreira.
Ele também faz questão de ressaltar um aspecto que o deixa particularmente emocionado: “A banda de música é um lugar tão fantástico que ali não existe pobre ou rico, doutor ou pedreiro. Com os instrumentos tocando, todos são iguais, o objetivo é único: a música. Esses grupos são uma aula de cidadania e uma bandeira contra qualquer forma de discriminação, principalmente o racismo”.
Em Mariana, Washington Luiz Gonçalves e seus colegas da banda Sociedade Musical 16 de Julho se animam com a volta dos cursos do Núcleo de Apoio a Bandas. “Só desejo vida longa ao projeto. Que ele nunca deixe de existir e que possa continuar mantendo viva nossa tradição”, diz o músico.
Orquestra celebra Duke Ellington
A Orquestra Ouro Preto volta aos palcos neste sábado (19). Ainda sem plateia por motivos pandêmicos, a companhia se apresenta no Café 104, em Belo Horizonte, e o concerto será transmitido ao vivo, gratuitamente, às 20h30, no canal da Orquestra no YouTube. Conhecida pela excelência quando o tema é música erudita, a companhia também se notabilizou por fincar pés e instrumentos na canção popular, seja na elogiada parceria com Alceu Valença, seja no diálogo com o repertório dos Beatles. Agora, a Orquestra Ouro Preto adentra um gênero até então inédito em seu repertório: o jazz, celebrado pela música do pianista e multiartista Duke Ellington (1899-1974).
“Ele resume a versatilidade da nossa orquestra, que passeia pela música de concerto, brasileira, rock e agora o jazz. Realizar esse concerto é transformar em prática o que a gente fala. Além disso, ele é encantador, tem tudo a ver com a sonoridade da orquestra”, afirma o maestro Rodrigo Toffolo.
Interpretações para os sucessos “Take the ‘A’ Train”, “In a Sentimental Mood” e “Sophisticated Lady”, entre outros, vão marcar a apresentação, cujos arranjos são assinados por Maurício de Souza. Parceiro da Orquestra Ouro Preto, o pianista Cristian Budu é o convidado especial da noite.
Fonte: Jornal O TEMPO